Burka Social – Participe deste Debate
Participação das Mulheres na Construção das Cidades*
Falar sobre a participação da mulher na construção das cidades, sem passar
pelo clamor da equidade social, é uma tarefa muito difícil por
dois motivos: o primeiro por ser a participação feminina efetiva, mas com
reconhecimento quase sempre pouco enaltecido. O segundo por correr
o risco de parecer feminista dos anos 70, o que não é a proposta.
Algumas dirigentes com quem tenho conversado vem reportando a ocorrência de
um fenômeno após sua atuação – o fenômeno do apagamento.
E é esse apagamento do sucesso feminino que motivou a palestra. O apagamento
pode se dar de várias maneiras, mas destaco duas
principais para o segmento da arquitetura e urbanismo: aquele que impede a
difusão do trabalho intelectual das arquitetas e aquele que
suprime sua participação ou autoria. No caso do trabalho intelectual fica
evidente a questão de gênero.
Nossas revistas e anuários, empresas construtoras e prêmios de arquitetura,
em sua maioria, pouquíssimo dedicam-se aos trabalhos da
arquitetas, apesar da média nacional nos cursos de Arquitetura e Urbanismo
ser de mais de 50% de contingente feminino nos últimos vinte
anos. Todas elas serão mão-de-obra feminina que estará trabalhando no
mercado, embora alguns achem que farão artesanato. E apesar disso
continuarão transparentes?
A II Conferência do Conselho Nacional de Cultura, que aconteceu agora em
março de 2010, não conseguiu romper a hegemonia do gênero que há na
arquitetura. A primeira colocada para integrar a lista tríplice, mais votada
entre os delegados arquitetos/as que estiveram em Brasília,
não assumiu. Ela que seria a mais legitima representante dos arquitetos,
porque eleita entre seus pares.
Haviam duas esperanças nessa Conferência Nacional de Cultura: a primeira era
obter um compromisso de realização de concursos públicos
para os projetos arquitetônicos destinados à cultura, e o segundo levar a
arquitetura para o restante do Brasil, tendo uma arquiteta
pela frente. A primeira virou proposta e certamente teremos com o tempo,
maior inserção e transparência na contratação de projetos
públicos. A segunda lamentavelmente, se desfez no preconceito e na falta de
equidade social.
Entendo que a lista tríplice é uma prerrogativa do Ministro da Cultura, mas
o bom senso recomendaria que se respeitasse as colocações
dos candidatos, especialmente quando há muita diferença numérica. Entretanto
a primeira colocada não ascendeu ao cargo. Não teremos uma
arquiteta conselheira nacional no CNC.
Lamentar? Sim, lamentar!
Nunca tivemos uma presidente em 75 anos de CONFEA – Conselho Federal
de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
Nunca tivemos uma presidente em 85 anos de IAB – Instituto de
Arquitetos do Brasil.
Só posso lamentar, mas não quero dizer às minhas alunas que
continuarão a se nutrir de ilusões em nossas salas de aula, cheias de
grandes projetos de arquitetos. Precisamos sim fazer esta hora chegar.
A questão da equidade de gênero na arquitetura é algo pelo qual tem-se
muito a trabalhar e por isso a trazemos a discussão.
Ao apresentar alguns projetos importantes de referência internacional,
destaquei aqueles cujo apagamento das arquitetas é silencioso, apesar
de grande qualidade de seus trabalhos.
Com excecção de Zaha Hadid, nomes como Denise Scott Brown, Martha
Schawrtz, Barbara Kuit, Carmem Portinho (engenheira que em 1937 criou
a Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas), Lina Bo Bardi,
Rosa Grena Kliass, Márcia Nogueira Batista (Jardim Zoobotânico de
Brasília), Maria Elisa Baptista (criadora do Gentileza Urbana), entre
outras tantas arquitetas de importância são pouco consagradas.
Zaha Hadid tem sido muito lembrada pelos calçados que criou (Melissa).
Zaha é iraniana e estudou em Londres, não usa burka, mas tem grande
atenção da mídia inglesa, não só pela grande competência projetual,
mas também simbolicamente, como efeito midiático para o mundo feminino
muçulmano.
Um dos projetos discutidos, ligados a mulher, foi o projeto que
recebeu menção honrosa pela qualidade arquitetônica: a Universidade
para Mulheres Princesa Nora bint Abdulrahman, de Ryad na Arábia
Saudita, e muito emblemático para este tema.
A experiência vivida como membro do júri da 8º Bienal Internacional de
Arquitetura em 2009, foi rica e desafiadora, pois mesmo refletindo
sobre os avanços e simbolismos da universidade/cidade árabe, para a
educação das mulheres nas ciências humanas e na medicina, a proposta
arquitetônica e urbanística significava legitimar espaços exclusivos
para abrigar 40000 mulheres, 10000 delas em regime de internato, sem
nenhuma interação de gênero. Todas vestindo o chador. Confesso que
precisei exercitar para conseguir ter isenção ideológica para olhar
tal arquitetura.
E afinal o que se extraiu disso tudo?
Que nós daqui, mesmo que com um pouco mais de sucesso que muitas
brasileiras por aí e mais liberdade que muitas de outras
nacionalidades, ainda trajamos uma burka social que precisa ser
descartada de nossa cultura arquitetônica e urbanística.
Texto enviado pela Arquiteta, *Barbara Irene Wasinski Prado.
Sammya Cury